Desculpem, eu sei que isto será um massacre para alguns...
Mas hoje este espaço servirá de moleskine, para mais tarde recordar!
Agradecimento especial ao senhor
Quioske que teve a delicadeza de partilhar connosco parte da história de uma das minhas esculturas preferidas!
Desconhecendo a fonte, ainda assim, aqui vai o retalho de uma mulher que teve a ousadia de posar para a eternidade...
"Sorridente, cordial, disse ser uma mulher alegre, contente com a vida, apesar da solidão em que vivia, dos achaques dos seus quase oitenta anos.
Cegara, havia anos, ouvia muito mal, e viera por estar muito esquecida, porque tinha tonturas, vertigens...
O seu rosto, marcado pelo tempo, irradiava uma luminosidade pouco habitual, quiçá sublinhada pelas sombras dos seus olhos erráticos e mortos.
"Nunca fora de tristezas ou pessimismos" - disse.
"E, agora que o fim se aproximava, desejava, apenas, aborrecer pouco os outros".
Voltaria depois, uma e outra vez, com o seu sorriso muito pessoal, cândido, quase ingénuo, bonito...
"A melhor época da sua vida", confidenciou-se", "fora aquela em que era modelo de pintores e escultores.
Áh! Que gente boa e bonita!" - Exclamara, o rosto momentaneamente mais iluminado - "Que bons tempos!
Tinha vinte anos, diziam-me que era bonita, traziam-me nas palminhas!
Casinos, festas, viagens! Fumei, bebi, gozei, Senhor Doutor!
Estou velha, vou morrer qualquer dia, mas levo o corpo consoladinho!" - Cerrou os olhos mortos e acrescentou: "O corpo e a alma, claro!..."
Já perto do fim da consulta - seria a última, curiosamente, - o seu sorriso tornou-se mais gaiato, malicioso, e disparou: "Sabe, Senhor Doutor, aposto que já me conhecia, antes de eu cá vir!..."
Esperei, cheio de curiosidade. Parecia troçar...
"Já me viu antes, com certeza!..."estava tão convicta, que aceitei.
"Talvez noutro local, outra consulta..."
- "Não, não Senhor Doutor!" - Cortou com vivacidade. - "Já me viu muitas vezes, na Avenida dos Aliados!
Eu... Eu sou a Menina Nua!..."
Riu, abertamente, gozando a minha surpresa.
E, contou: "Posei para o Sr. Henrique Moreira, já há tantos anos, e, sou a Menina da Avenida!..."
Baixou o rosto, subitamente triste.
"Foi há tantos anos!...Pr'aí mais de cinquenta!...
Que boa pessoa o Sr. Henrique Moreira!..."
(Posara, efectivamente, para o grande escultor Henrique Moreira, nos idos de 1930, e ficara ali, ao fundo da Avendia, branca e luminosa, ao sabor do sol, das chuvas, das pombas, das gaivotas...)Desde estas consultas, a Menina Nua, que é uma alegoria à Juventude, passou a ter, para mim, um nome. Um nome que, se calhar, poucos, na cidade, conhecem.
Simplesmente, Aurélia.
ps. prometo que não insisto mais no tema!:)