Não contem com nenhuma coisa estupenda, mágica, ou qualquer tipo de encontro imediato de 3º grau, porque o que fiz ontem é do mais real que há.
Também não conto receber qualquer tipo de elogio, ou que me digam que sou boa pessoa e muito caridosa! Estas coisas ou se alinha nelas ou não! Ontem alinhei!
Fomos fazer uma ronda pelos sem-abrigo do Porto.
Atestámos duas carrinhas com sacos de comida (um pequeno kit básico), cestos com pães, garrafas de água, leite e alguns caixotes com roupa!
Há vários sítios que são identificados como locais de pouso dos sem-abrigo.Tínhamos um percurso definido...
Os movimentos são rapidamente identificados. Param-se os carros, abrem-se as malas, e logo o grupo que estava ali ao canto a beber cerveja começou a aproximar-se.
Pit stop 2 Estação de S. Bento
Estávamos a evitar parar aqui porque soubemos de histórias de assaltos a grupos como o nosso, nesta zona. Mas lá fomos. Mais tarde, já no regresso, fartámo-nos de rir porque disse que aquilo parecia uma cena saída de um filme do Kusturica.
Os gestos repetem-se, abrem-se as malas e parece que saem das tocas, dirigem-se apressadamente aos carros, esticam as mãos, querem mais que um saco – ‘só mais um que é para a minha namorada ‘.
Montámos a nossa pequena feira ali mesmo, e ainda contámos com um olhar mais atento de um carro de polícia que por ali passou...
‘Olhe, por acaso não me arranja umas calças 44, mas uma camisa 38? ‘ ‘Não tem atum? É que estou a ver aí alguns com atum ’ ‘Eu vou ali chamar a minha mulher! Não se vão embora’. ‘Acho esta t-shirt um bocado feia...’.
Nesta altura, um pequeno esclarecimento: o universo é maioritariamente masculino, alcoólico e drogado. Cheiram pior que sei lá o quê e gostam de tocar em tudo. Vêm cheios de fome e muitos deles querem a roupa para vender (pasmem-se, o que tem mais saída são as meias!).
Há os que são bons, e os menos bons! Os que querem conversa e os que querem só comida! Não podendo fazer qualquer distinção, porque tratamos todos por igual, digo-vos que os melhores são os que querem comida & conversa!!! Alguns são de uma simpatia e gratidão que mete dó, e vivem em condições miseráveis.
Com o stock já a ficar em baixo resolvemos seguir.
Pit stop 3 Hospital de Santo António
Subimos pela Rua Sá da Bandeira e fizemos mais uma ou duas paragens em locais onde sabíamos ser ‘casa’ de alguns grupos de sem-abrigo. Vou saltar a ‘casa da Isaurinha ‘, que é uma casa perdida no Jardim do Carregal, onde vivem personagens inacreditáveis, porque quero falar-vos da última paragem, no Hospital de Santo António.
Durante todo o percurso e entre paragens, as soleiras das portas tornam-se a perspectiva dos nossos olhos, e sempre que se vê um amontoado, alguém enrolado em cobertores, lá vamos e muitas vezes nem os acordamos, deixamos só o saco, a água e pensamos na reacção dele quando acordar!
Pedimos no início que fosse a primeira de muitas!
Não deixou de ser triste, mas também nos soubemos divertir!
ps. Aproveitando a onda, não se esqueçam que este fim-de-semana está nos supermercados e hipermercados a campanha do Banco Alimentar.